No próximo mês de novembro 2022 a Igreja do Brasil dará início ao terceiro ano vocacional. Após 40 anos (1983) do primeiro ano vocacional, torna-se necessário mobilizar todo o povo de Deus a uma reflexão ministerial vocacional, a partir da permanente palavra de Jesus aos discípulos: “Vem e Segue-me”, tal iniciativa provoca um apelo ao convite vocacional que requer sempre uma resposta individual.
Em 2003, ressurgiu um novo ano vocacional com o tema “Batismo, fonte de todas as vocações", que trouxe uma provocação que somos todos assembleia de vocacionados e vocacionadas, sob a indelével marca batismal.
Passados outros 20 anos, foi realizado em 2021 o 4º Congresso Vocacional do Brasil, após este evento, a assembleia dos bispos optou por voltar a esta temática vocacional, percebendo que ainda “faltam muitos operários para o trabalho da messe” (Mt 9,35-38; Lc 10,2).
No limiar do novo ano litúrgico, a Igreja mais uma vez lançará em novembro de 2022 um novo ano vocacional que tem por tema/lema: "Vocação: graça e missão, corações ardentes, pés a caminho" como uma proposta mistagógica, de modo a provocar que a vocação acontece mediante a graça de Deus que faz arder e impulsionar os pés a favor da missão.
Diante de tais proposições, como resposta à necessária sensibilização vocacional nota-se que a Igreja vem caminhando para sedimentar de modo amplo a cultura vocacional, um desafio necessário para o anúncio testemunho do Reino de Deus, especialmente no que diz respeito a corresponder ao ideal de vida evangélico, seja pela vida consagrada no ofício sacerdotal, bem como na dimensão da vida presbiteral.
À luz de tudo isso, pode-se perguntar quais os desafios da vocação sacerdotal hoje? Houve um desencantamento pelo ministério sacerdotal? Há, de fato, um novo perfil do clero que segue uma tendência influenciada pelo estilo da renovação carismática, num misto de tradição e modernidade, entre vestes e pietismo? Qual o modelo sacerdotal que mais atrai? Isso serve como argumento para falarmos em modelo sacerdotal ou estamos mergulhados em um modismo temporal?
Vários são os argumentos e as razões culturais, sociais e eclesiológicas quando nos referimos a resposta vocacional e o perfil dos candidatos ao sacerdócio hoje, bom salientar que a história bíblica veterotestamentária nos ensina que nada mudou em termos de chamado, segue-se a mesma tríade em todo chamado: Deus chama, o homem responde e, posteriormente é enviado para um serviço missão. Tal chamado implica em exigências que envolvem toda a pessoa, por isso se trata de um longo processo, maturável, de crescimento, reconhecimento e oferecimento diante dos obstáculos que continuam e continuarão a ser um desafio para aquele que responde. Não se trata de uma única resposta, feita ao receber os ministérios inferiores do grau do presbiterado e também à primeira profissão religiosa ou votos solenes ou ainda encarar a ordenação como uma pomposa conquista festiva, mais um afirmar-se cotidiano à identificação com a missão de Cristo, que se fez tudo para todos, o que na teologia chamamos de kenosis, isto é, a experiência do despojamento, do aniquilamento, a qual faz Cristo, como Filho de Deus, ao cumprir a missão que é do Pai, se tornou sinal visível, autêntico e confiante em Deus que realiza n’Ele suas obras.
Essa reflexão pode soar austera, rígida ou ainda exigente demais a ponto de ser pensado inadequado para o tempo presente, porém responder ao chamado inegavelmente significa despojamento, abandono de si e capacidade séria de opção preferencial por Aquele que chama a servir os mais pobres, tal decisão deve ser encarada, refletida e assumida. Diante do chamado não tem como haver resposta sem a ousadia de entregar-se.
A vocação presbiteral ou ainda a vida religiosa com fins ao ministério presbiteral não perdeu de forma alguma seu encanto, sua beleza, sua grandeza. Continua sendo um sinal visível e evangélico que Deus chama e nos faz partícipes da missão do Reino, trata-se de uma opção fundamental que chega a ser uma resposta radical, generosa e total como um estilo de vida doada e aberta ao serviço caridade, próprio de uma pessoa de fé que tem Deus como guia à frente de sua missão.
Muitos são os fatores que desencadeiam para a pouca atração resposta ao chamado à vida presbiteral, ou mesmo consagrada, contudo, não se perdeu em termos de valor e de apreço o universo religioso como escolha vocacional, vivemos um misto de atração, basta observar os rostos jovens que compõem as novas comunidades de aliança e vida, em número crescente, nota-se por outro lado um certo decréscimo das ordens, mais antigas de perfil mais tradicional no vasto universo presbiteral, bem como o apelo por jovens seminaristas, nas dioceses, continua em certa continuidade, talvez numericamente ainda sejam muito reduzidos diante do vasto alcance das paróquias ou comunidades cristãs.
Na obra O novo rosto do clero, Agenor Brighenti (2021, p. 277), a respeito do ministério presbiteral na visão dos católicos no Brasil, conclui que “segundo os católicos no Brasil, em geral, os padres são bem-vistos, olhados como pessoas abnegadas, trabalhadoras, boas com o povo. Nota-se, dizem, que há alegria no servir e gosto pelo que fazem, ainda que não se possa negar que há padres amargurados, frustrados, isolados, de poucas relações com o povo. Também não querem padres de batina. A maioria acha que o modo mais adequado do padre vestir-se é com trajes civis, com bom gosto e simplicidade ou que cada um escolha o que lhe convier". Contudo, na obra embasada em pesquisas científicas e dados estatísticos, nota-se que há sim divergências pelo modo de vestir-se do sacerdote, seja por adaptar-se aos trajes hodiernos ou o estilo tradicional que retoma a batina, o que é ponto de pluralismo dentro do cenário vocacional.
Assim, permanecem ainda múltiplos os desafios para abraçar a vida presbiteral, especialmente em nosso contexto altamente tecnológico e consumista, com forte apelo ao bem-estar pessoal materialista da vida presente, mas continua a brilhar o chamado à vida ministerial na contracorrente das benesses cotidianas. Oxalá!, este ano vocacional que se aproxima, nos leve cada vez mais a dar passos pela graça de Deus que faz arder o coração dos chamados, a fim de ser resposta dos eleitos, aquecendo e movimentando pés e corações a serviço da missão de Deus.
Escrito por: Pe. Daniel Cunha, Delegado Nacional de PJS