Memórias Biográficas de São João Bosco - Volume IX, p. 563-567
Durante esses dias, o Município de Turim dera permissão aos Institutos de beneficência para montar estandes de venda, nos últimos dias de Carnaval, de tudo o que pensavam ser vantajoso a seus internados.
O inspirador dessa ideia fora Dom Bosco. Naqueles tempos, o Carnaval de Turim era o mais decoroso, tranquilo e divertido de toda a Itália. Uma comissão ad hoc, com plenos poderes, e a polícia sob seu comando, cuidava da ordem, da moralidade e do respeito a toda categoria de pessoas.
Antes de partir para Roma, Dom Bosco, vendo as necessidades específicas do Oratório, dissera aos de casa que estudava uma forma de participar da feira de Carnaval. Todos soltaram um oh!, maravilhados e quase escandalizados.
-Ir ao Carnaval? Os filhos do Oratório?
-Sim, sim, vamos, mas não para assumir suas loucuras. Iremos lá em igualdade de condições, para obrigá-lo a vir onde estamos nós.
Muitos objetos da última loteria tinham sobrado. O Venerável pensara em fazer alguma coisa com eles, ao mesmo tempo que os bons turinenses, convidados, porfiavam em lhe enviar outros. Deu essa atividade ao Cavaleiro Oreglia enquanto ele viajava a Roma.
O Cavaleiro preparou seu estande com várias mesas bem decoradas num amplo palco, atrás das torres da praça Castello, em frente ao rio Pó. Ao mesmo tempo mandou uma linda poesia em piemontês a seus conhecidos e amigos para que viessem admirar sua banca e comprar.
Despachou para Roma vários desses convites.
Roma, 1º de fevereiro de 1869.
Caríssimo de Santo Estêvão,
Mais do que eu descrever, pode imaginar, a forte vontade que seu convite despertou em mim. O que não pagaria para ver o senhor no estande vendendo e promovendo alegria. Mas é preciso oferecer isso a Nossa Senhora. Dom Bosco nos explicou na família Isabella seu belíssimo convite, uma vez que, sendo em piemontês, nada compreendíamos. Ele, porém, ao lê-lo, ria... Dom Bosco foi celebrar a missa na capela de Mamá. Eu tive uma conversa com ele na casa de Isabella. Esperamos que Maria Santíssima use de misericórdia e, especialmente, abençoe meus irmãos...
O estande do Cavaleiro foi um dos mais bonitos e melhor abastecidos, especialmente com livros. A banda do Oratório para a qual o maestro De-Vecchi compusera uma fantástica polka especial, com o título de A feira Gianduia, atraía numerosas pessoas. Os jovens músicos estavam de uniforme em dominó amarelo. Entre eles se destacava o Cav. Oreglia, que vestido de Gianduia, interpretava magnificamente, e com versos em piemontês, convidava o povo à sua bancada. A nobreza inteira de Turim acorria para ouvi-lo, e ele vendia a preço alto suas mercadorias.
Também o Príncipe Amadeus foi. Depois de ter apertado amigavelmente a mão de Gianduia, deixou-lhe a quantia de 100 liras.
- E o que o senhor fará com isso, Gianduia? Perguntou-lhe o Príncipe.
- Alteza, vou reparti-la com meus amigos, que são os jovens, e depois, todos juntos, rezamos pelo bem-estar de Vossa Alteza.
- Bravo, Gianduia!
Quando o Cavaleiro, após ter contado as coisas mais alegres deste mundo, descansava seus pulmões, os músicos assopravam seus instrumentos, executando composições de grandes maestros. De quando em quando, do meio da multidão, se levantava o grito: - A polka de Dom Bosco! A polka de Dom Bosco! - E a banda devia satisfazer o desejo geral. Assim foi chamada a fantasia musical de De-Vecchi, executada com instrumentos em grande parte improvisados e em maneira insólita para essa circunstância, produzindo efeito agradável. Esta composição apareceu então em todos os repertórios musicais.
Durante três dias o estande entusiasmou também sacerdotes e religiosos que numerosos a ele acorriam. Foram dias de honesta, boa e cristã diversão. Desta forma aconteceu o que com frequência Dom Bosco dizia:
- Sempre fiz de tudo para mostrar que se pode divertir respeitando a lei de Deus.
Enquanto a cidade se agitava em grande tumulto de Carnaval, os jovens de Valdocco se divertiam com lazeres não menos alegres e variados. No último dia, com a Comunhão geral, foram sufragadas as almas do Purgatório, e se rezou pelos companheiros que Deus haveria de chamar para a eternidade.
[...] O fato de ter participado com seus jovens, no Carnaval, deu motivo para a seguinte carta dirigida ao Cavaleiro. Pode-se dizer que é a expressão da opinião pública dos turinenses.
Fossano, 12 de fevereiro de 1869
Sr. Cavaleiro,
...Uma senhora, vinda de Turim, contou-me novo prodígio de caridade, uma daquelas invenções que somente os Servos de Deus como os Belzunce de Marselha e os Bosco de Turim sabem ser os autores. Já me entendeu. Dizer de minha maravilha, por essa descoberta de Gianduia e seu séquito, seria coisa difícil. Parece que uma sacada deste gênero fale mais do que muitas páginas de moral, a fim de tornar conhecida e amada uma religião que é bem conforme ao homem, se apresenta humilde e amável aos grandes e aos pequenos, que aceita tudo o que pode ajudar o pobre e satisfazer suas necessidades.
Condessa Alessio di Camburzano.
Em Roma se desejava notícias, e a Presidente de Tor de’ Specchi as pedia.
Senhor Cavaleiro,
Dom Bosco veio ontem aqui me visitar pela segunda vez; vi que está muito bem e alegre. Amanhã, quarta-feira, celebrará a Missa da Comunidade. Haverá de nos dirigir umas palavras de exortação e nos distribuirá a Comunhão. Imagine minha satisfação e de todas.
Soube que Dom Bosco esteve com Sua Santidade durante duas horas na semana passada, e que o Papa lhe deu grandes demonstrações de carinho e de apreço.
Quando o senhor escreverá em relação à feira? Dom Bosco disse ontem: até agora nada se sabe a respeito da feira; contudo o Carnaval terminou já há vários dias! - Eu defendi o senhor dizendo que, além de um pouco de descanso, precisava recolher as mesas, colocar tudo em ordem. Escreva, portanto, já. Minha loja vai bem.
M. Madalena Galleffi.
No dia 18 de fevereiro, P. Francesia dava notícias da feira à Madre Galleffi.
...O Cavaleiro foi descansar de sua feira, com a qual teve maravilhosos resultados. Foram conseguidos dois mil francos sem as despesas, que são pouquíssimas, mas comparando com outros foram altas. Nossas coisas eram muito bonitas e valiosas, não específicas de Carnaval e vendia-se pouco. Contudo, nossa presença foi bonita. A feira, pode-se dizer, girava toda ao redor de nosso estande; a banda e Gianduia foram motivo de agradável passatempo. Mais, se acreditou, e se acredita ainda mais agora, que o Cavaleiro fosse um padre, tão moderadas, justas e boas eram suas piadas. Muitos tiveram a paciência de ficar escutando das onze horas até a meia-noite. Em Turim se falava somente do estande de Dom Bosco. Alguns, que somente conhecem Dom Bosco por ouvir dizer, pensavam que era ele que representava Gianduia. Seja dito que os Santo Antônios não morreram ainda todos. Porém, é verdade que o Gianduia de Dom Bosco fez história; pregou moral em dias de impiedade e mostrou que se pode estar alegre sem ofender o Senhor. Ao nosso estande veio também o Príncipe Amadeus, ouviu a banda e deu 100 francos para a casa...
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